A (nem tão) nova Lei de Licitações, de n.º 14.133/21, sancionada pela Presidência da República em 1º de abril de 2021, trouxe importantes mudanças à antiga regulamentação, prevista na Lei n.º 8.666/93. Imprescindível, contudo, explicitar em que, de fato, consiste no instituto da licitação.
O autor Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra “Curso de Direito Administrativo”, nos ensina que a licitação por ser vista como “um certame em que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem a disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas”.
Ademais, nota-se que a execução de licitações é uma obrigação do Poder Público, prevista no artigo 37, inciso XXI, da Constituição da República, de maneira que rege grande parte do cotidiano da Administração Pública.
Não por acaso, o estudo da nova lei é tão significativo, porquanto, segundo o artigo 1º do diploma legal, a aplicabilidade da norma se estende às administrações diretas, autárquicas e fundacionais, sem olvidar dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos estados e do Distrito Federal, bem como aos órgãos do Poder Legislativo dos municípios, fundos especiais e entidades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público. Entretanto, são excluídas as empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias.
Não é segredo para ninguém que os princípios figuram como de suma valia no que tange à salvaguarda da Administração. Sobre o tema, o autor Marçal Justen Filho[1] enuncia que atuam com maior influência no Direito Administrativo do que o Direito Privado em geral: “Os princípios desempenham função normativa extremamente relevante no tocante ao regime de direito administrativo. Com algum exagero, poder-se-ia afirmar que os princípios possuem influência mais significativa no direito administrativo do que no direito privado”.
Relembra-se, em oportunidade, que o rol de princípios atinentes ao artigo 3º da antiga Lei de Licitações não é exaustivo, uma vez que o dispositivo se preocupou em mencionar “princípios correlatos”. Como exemplo de princípio regente da Administração Pública e não presente no referido artigo, para mais, menciona-se o princípio da eficiência, exibido naquele referenciado artigo 37 da Constituição – incluído pela Emenda Constitucional n.º 19/1998.
[1] Curso de Direito Administrativo. 10ª ed., São Paulo: RT, 2014. p. 142.
N’outro giro, a Lei n.º 14.133/2021 abarcou um gigantesco rol de princípios, expostos no artigo 5º, quais sejam: legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade; eficiência; interesse público; probidade administrativa; igualdade; planejamento; transparência; eficácia; segregação de funções; motivação; vinculação ao edital; julgamento objetivo; segurança jurídica; razoabilidade; competitividade; proporcionalidade; celeridade; economicidade; desenvolvimento nacional sustentável e as disposições do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
O princípio do planejamento, objeto do presente artigo, apesar de, obviamente, ser intrínseco à Administração Pública, demanda maior dedicação neste tempo, por desempenhar função basilar das atribuições administrativas de contratar e licitar.
É público e notório que um procedimento licitatório exige o cumprimento de imposições concernentes à requisição financeira para a execução de um empreendimento. Mas é de suma relevância que haja, em concomitância, um plano de contratações e metas de resultado efetuado pelo Poder Executivo – o Governo – nas preliminares do mandato eletivo; uma verdadeira ordenação da legislação orçamentária; e verificação dos meios e modos fundamentais à promoção do resultado almejado.
Isso é o que se intitula de “roteiro da contratação”, de acordo com o Professor Flávio Amaral Garcia, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, porquanto, em resumo, o planejamento pode ser tido como “o conjunto de providência e de decisões adotadas previamente à execução de uma determinada ação”[1].
No caso da nova lei, a renovação vem dotada da busca pela concretização das políticas públicas em prol da “boa licitação”, experienciada por cada órgão público, em concomitância com todos os outros planos e estruturação do País, satisfazendo o anseio pela correta governança.
Nesse espectro, para o correto planejamento do instrumento, exige-se a instauração de um plano de contratação anual para toda a Administração Pública (prevendo-se a expectativa de consumo dos órgãos em suas aquisições mediante a eleição de suas prioridades); e a organização do processo, com a exigência de um documento fundamental, tido por muitos como a alma do contrato, desenhando o objeto a ser adquirido (estudos técnicos preliminares – ETP).
[1] José Anacleto Abduch Santos. Disponível em: https://zenite.blog.br/nova-lei-de-licitacoes-o-principio-do-planejamento/
Ainda mais quando se lembra que, de acordo com o que denota o parágrafo 2º da regulamentação, “as licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica”. O desenvolvimento, incremento e transparência dos procedimentos licitatórios, tão logo, passa a ser mais do que uma necessidade, mas um encargo do Poder Público como um todo.
Voltando ao “plano de contratações anual”, consagrado pelo artigo 12, inciso VII da Lei n.º 14.133/2021, a norma assim dispõe: “a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias”.
Isto é, o planejamento anual se ocupa em quantificar os procedimentos licitatórios a serem realizados e concentrar as compras para realizar menos licitações, adquirindo os objetos em maior quantidade – quando possível – considerando-se a necessidade e especificidade do caso em concreto.
As compras, por assim dizer, passam a se tornar mais eficientes, organizadas e baratas, o que, visivelmente, beneficia a Administração Pública. Contudo, o planejamento anual não passa de uma discricionariedade de cada órgão responsável, não configurando como compulsório aos entes federativos, de acordo com o inciso VII do mesmo artigo 12.
Até mesmo porque o planejamento anual depende de um decreto regulamentador de suas diretrizes e regramentos. A normatização, até o momento, está restrita à União Federal (Decreto n.º 10.947/2021). Evidencia-se, contudo, que o referido é capaz de inspirar outros entes a elaborarem a necessária regulamentação.
Abrindo-se parêntese, salienta-se que não obstante o “poderão” disposto na lei, o planejamento orçamentário não é acessório para as contratações e compras públicas. Isso tudo mesmo que o plano anual da nova Lei de Licitações jamais seja realizado. Isso porque a LOA, ou Lei Orçamentária Anual, já existe e é imposta à Administração Pública, conforme preceitua o artigo 165 da Carta Magna.
Entretanto, embora não tenha havido, ainda, a normatização, a imprescindibilidade do planejamento segue existindo. É essencial planejar e justificar as contratações. Assim, a razoabilidade se mostra como especial critério enquanto o regramento não emerge ao ordenamento jurídico. Isso porque o planejamento é princípio da nova Lei de Licitações, sendo, a ausência de justificativa, falha gravíssima do Poder Público.
No mais, é a obrigação do planejamento, por exemplo, que prevê a imprescindibilidade de implementação de gerenciamento de riscos em processos que envolvam compromissos internacionais em que o Brasil assume juntamente com organizações internacionais.
Exatamente por isso, diversas normas recentes – seguindo o efetuado pela LINDB, pela Lei Anticorrupção e pela Lei das Estatais – apresentaram-se com consideráveis modificações. Como exemplo, tem-se o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que passou a dispor de publicidade nacional a todos os processos da Administração Pública que se submetem à Lei Geral.
O portal foi lançado em agosto deste ano de 2022, em parceria com o Governo Federal, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), em transmissão ao vivo pelo YouTube[1].
Fato é que, utilizando palavras do Professor Matheus Carvalho[2], “a Administração Pública possui a tarefa árdua e complexa de manter o equilíbrio social e gerir a máquina pública, composta por seus órgãos e agentes. (…)”.
Portanto, é evidente que a fase preparatória – consolidada pelo princípio do planejamento – angaria certo protagonismo quando falamos na nova norma, sendo, este, um dos princípios cruciais que regem a norma. Isso porque, partir da vigência da regulamentação, notou-se certo enaltecimento ao processo administrativo anterior à concorrência.
Após vinte e sete anos da antiga Lei de Licitações, vê-se que a atual estruturação é capaz de romper com a velha capa (e recheio) desorganizada e ineficaz dos procedimentos licitatórios, tornando, quem sabe, os trâmites finalmente mais bem operantes, eficientes e ordenados. Passado um ano da vigência da regulamentação, é isso que – ainda – se espera.
[1] Lançamento do Portal Nacional de Contratações Públicas, transmitido ao vivo em 09 de agosto de 2021. Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=W25KItdhhw8.